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Sábios são os Hobbits de Tolkien com suas seis refeições diárias, em uma tranquila e gulosa vida no Condado. Café da manhã, Segundo café da manhã, “Elevenses” (ou o café da manhã das 11h), Almoço, Chá da tarde, Jantar e Ceia - sim, três das sete refeições diárias destas criaturas da Terra Média são cafés da manhã, porque, afinal, ela é a refeição mais importante (e gostosa) do dia.
A palavra breakfast vem do francês disdejeuner - do latin disieiunare, ou “desjejuar / romper o jejum”.
Hoje, a maioria das pessoas ao redor do mundo começa o dia com uma bebida quente e algum tipo de grão ou cereal, como pão, mingau... Mas o café da manhã, cuja história é tão pouco contada por aí, nem sempre foi uma refeição tão apreciada ou rotineira.
No Egito Antigo, os camponeses faziam uma refeição diária pela manhã, antes de partir para os árduos trabalhos nos campos ou com os Faraós, banhada à cerveja, pão e cebola. Esta por sinal, era uma de suas comidas favoritas e a usavam não apenas como alimento mas também como remédio e símbolo espiritual, representando poder e vida eterna.
Na Grécia Antiga o café da manhã era algo comum, conhecido como Ariston, uma refeição mencionada inúmeras vezes por Homero (928 a.C - 898 a.C.), sempre realizada logo após o nascer do sol. Na Ilíada, o poeta grego conta a história de um lenhador que acordava cedo para preparar seu café da manhã, mesmo estando exausto de tanto trabalhar.
Mais tarde, no período clássico grego, a Akratisma, o café da manhã da época, consistia em pão de cevada mergulhado em vinho com figos ou azeitonas. Segundo o poeta Crátinos de Atenas (c. 520 a.C. - c. 423 a.C.) no século V a.C., também se comia pela manhã panquecas ou tēganitēs - palavra que deriva de tagēnon ou "frigideira".
Outro tipo de panqueca grega era a staititēs, feita de farinha de espelta e descrita por Ateneu (170 d.C-223 d.C.) em Deipnosophistae (séc. III d.C.), acompanhada por mel, gergelim e queijo.
Os romanos faziam três refeições por dia, mais um lanchinho da tarde. O café da manhã era conhecido por Jentaculum, geralmente servido com pão, queijo, azeitonas, salada, nozes, passas e carnes frias que sobravam da noite anterior. Eles também criavam drinques matinais à base de vinho, como o Mulsum, uma mistura de vinho, mel e especiarias aromáticas como cássia, mirra, nardo, balsamita, açafrão, pimenta ou seseli libanotis, uma erva conhecida popularmente como cenoura da lua. Segundo o poeta romano Marcial (40 d.C-104 d.C.), o Jentaculum era acompanhado de vários tipos de pastelaria e confeitaria: “Surgite: jam vendit peuris jentacula pistor... sonante unique lucis aves” ou "Levante-se: o padeiro já está vendendo o café da manhã para os meninos, o canto dos pássaros e a luz nos cercam."
Os soldados do Império Romano precisavam de um café da manhã reforçado, conhecido como Pulmentus, uma espécie de mingau feito de espelta ou cevada torrada, triturada e cozida – eu também matava geral com essa comida logo pela manhã.
Em "Curculio" (ou O Gorgulho), peça romana do séc III a.C., de Tito Mácio Plauto (c. 254 a.C. - 184 a.C.), o personagem Phaedromus reúne vinho e comidas, como azeitonas e alcaparras, para um café da manhã, destinado a Planesium, por quem estava perdidamente apaixonado.
Na Idade Média, o café da manhã foi associado ao pecado da gula, uma vez que era ele que interrompia o jejum matinal e, assim, seu consumo foi proibido. O padre católico Tomás de Aquino (1225 – 1274), em Summa Theologica (1265-1274) descreve seis métodos através dos quais se comete a gula: o café da manhã entra na parada como Praepropere, ou o pecado de comer muito cedo. Estavam “isentos” do pecado apenas as crianças, os idosos, doentes e trabalhadores, liberados para se esbanjar de um café da manhã não tão farto assim, que incluía pão de centeio, queijo e cerveja. Os demais, vulgo nobres e clérigos, não só pararam de comer como de falar sobre este novo pecado capital.
Finalmente no século XVI, o café da manhã voltou a “ganhar” a boca do povo, quando o rei Francisco I da França (1494-1547) declarou que “acordava às 05h, almoçava às 09h, jantava às 17h e ia pro sofá 21h.”
A coragem de mencionar esta temida e pecaminosa refeição matinal trouxe o saudoso café da manhã de volta à moda.
O hábito se intensificou ainda mais quando a toda poderosa Elizabeth I (1533-1603) colocou em seu Menu Real Diário um belo café da manhã com Ale e Bolo de aveia.
Durante o Século de Ouro dos Países Baixos (aprox. 1584 -1702), no auge da pintura flamenga, o café da manhã inspirou todo um sub gênero artístico de naturezas mortas, levando para outros cantos da Europa diferentes tipos da refeição.
O chá, o café e os chocolates foram incluídos. Eles haviam chegado à Europa quase que ao mesmo tempo, vindos dos mais exóticos países e ganhando muitos adeptos. Por isso, em 1662 a Igreja sentiu que deveria mudar algumas de suas regras, para não perder fiéis para os poderes mágicos da cafeína. Estabeleceu então que: “Liquidum non frangit jejunum” ou “líquido não quebra o jejum” (nota do Cardeal Francis Maria Brancaccio).
Com a Revolução Industrial (1750-1850), trocas de produtos e costumes ficaram ainda mais recorrentes. Isso deu um “up” na história do café da manhã. Na mesma época, a chegada da eletricidade doméstica também acabou com longas e diversas tarefas matinais de outros tempos, criando mais momentos de criatividade na cozinha e, com isso, novos e mais elaborados cardápios para esta refeição.
Entre os novos ricos da virada do século lançou-se a moda de ter em casa uma sala dedicada exclusivamente ao café da manhã, os breakfast-room ou morning-room, onde só era servida esta refeição.
Na Inglaterra vitoriana e nos Estados Unidos, o café da manhã consistia em enormes quantidades de comida, muitas vezes recomendadas por médicos para homens de negócios que eram muito ocupados para sair para almoçar. Incluía ovos, peixe, charcutaria, cereais, frutas, pães, manteiga, café ou chá – um continental clássico.
Estes cafés da manhã vitorianos se assemelhavam muito ao “brunch” de hoje em dia, palavra que inclusive surgiu na mesma época (1895), numa matéria de Guy Beringer, para a Hunter’s Weekly: “Ao eliminar a necessidade de acordar cedo no domingo, o brunch tornaria a vida mais brilhante para os fanfarrões de sábado à noite. Promoveria a felicidade humana de outras maneiras. O brunch é alegre, sociável e estimulante. É convincente. Te deixa de bom humor, satisfeito consigo mesmo e com seus semelhantes, varre as preocupações e as artimanhas da semana.” – Concordo!
Os norte-americanos do século XIX, tinham o costume de fazer apenas duas refeições ao dia, um longo café da manhã, por volta das 08h, e um almoço no final da tarde. Mais pro final do século, receitas para esta refeição começaram a surgir em diversos livros, o mais famoso foi o bestseller de 1896, “The Boston Cooking School Cookbook”, de Fannie Farmer (1857 – 1915), que tinha dezoito menus de cafés da manhã diferentes, todos servidos com café preto. No livro, a refeição matinal típica consistia em ovos, carne ou peixe (de restos do jantar), fruta, mingau, batata (normalmente frita) e algum pão, bolo ou biscoito.
Embora cereais quentes, tipo mingau, tenham sido comidos ao longo de toda a História do homem, o cereal frio, ou os famosos cereais matinais, só foram criados no final do séc. XIX, trazendo o conceito de praticidade ao trabalhoso café da manhã de então.
Com uma onda “natureba” de grupos de clean living que buscavam uma alimentação integral, novos produtos surgiram, e a granola foi um deles. Originalmente feita pela Graham, que quebrou um biscoito de aveia e milho que não tinha dado certo e o batizou de Granula – versão que tinha que ser deixada no leite do dia para noite. Com a enorme demanda por mais praticidade, a Graham lançou a Granola “pronta para uso na mesa” em 1880, considerada super saudável pelos jornais da época – imagino.
No mesmo período, foi criada a “Flaked Cereal and Process of Preparing Same”, por John Kellogg, com o intuito de fabricar cereais e biscoitos para pessoas com problemas dentários - que na época, eram muitas.
O cereal mais famoso do mundo foi inventado sem querer, quando Kellogg e seu irmão esqueceram o petisco dentário no forno e, voilá!, o biscoitinho dos banguelos ficou crocante e muito famoso.
Com o tempo, os irmãos Kellogg alteraram a receita para farinha de milho e adicionaram um tanto de açúcar. As donas de casa da época se encantaram com o café da manhã instantâneo e logo aderiram ao Corn Flakes, que acabou se tornando um grande elemento do café da manhã na Segunda Guerra Mundial, principalmente pela escassez de ovos e carnes. Com o fim da guerra, o cereal acabou sendo direcionado às crianças, com adição de mais açúcar na receita.
No século XIX o café da manhã no Brasil, ou o “pequeno almoço”, era feito por volta das 06h da manhã, seguido do almoço às 9h, jantar às 13h e ceia às 18h. Diferente de hoje, se bebia normalmente chá pela manhã, uma vez que este era considerado pelos lusitanos (imitando a moda francesa) “bebida de gente fina”
No Brasil o ditado já entrega, “café da manhã de rei, almoço de príncipe, jantar de plebeu”. Uma pesquisa de 2016 da superinteressante mostrou que “das três refeições clássicas do dia, o café da manhã é consumido habitualmente por 88% dos brasileiros".
No entanto, o cardápio que compõe o café da manhã é bastante diferente ao redor do Brasil. Ele é uma expressão da diversidade da cultura local, de suas influências e tradições, que se dá através dos ingredientes, receitas e sabores típicos matinais.